São Paulo – O Carnaval de rua de São Paulo se tornou na última década um dos maiores do Brasil. Neste ano, são cerca de 500 blocos que desfilam pelas ruas da capital paulista. A história da folia paulistana, no entanto, se confunde com a história de um bloco específico: o Esfarrapado.
Às 10h desta segunda-feira (20/1), na esquina das ruas 13 de Maio e Conselheiro Carrão, no coração do Bixiga, tradicional bairro do centro, o bloco mais antigo da cidade sai às ruas pela 74ª vez em sua história.
Devido à pandemia de Covid-19, o Esfarrapado não desfilou nos últimos dois anos, as únicas ausências em seus 76 anos de existência.
Se a história do Carnaval de São Paulo se confunde com a história do Esfarrapado, a história do Esfarrapdo se confunde com a de Milton Credidio, o Tinin, de 87 anos.
“Começou como uma brincadeira”
Aos 11 anos, Tinin estava entre as cerca de 20 pessoas que fundaram o bloco, em 1947. “Começou com uma brincadeira, na esquina da rua Rui Barbosa com a Conselheiro Carrão, onde era o antigo Cine Rex”, relembra. Anos depois, o bloco passou a sair na esquina de cima.
Na época, o Carnaval do bairro já contava com um corso, uma espécie de carreata em que os moradores saíam fantasiados pelas ruas.

A ideia de criar um bloco partiu de Armando Puglise, o Armandinho do Bixiga, considerado um dos patronos do bairro. Ele ficou à frente do grupo até sua morte, em 1994.
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Dois anos depois, Tinin assumiu a presidência, cargo no qual ficou, oficialmente, por 15 anos. Na prática, no entanto, ele nunca deixou de exercer liderança sobre o bloco, do qual atualmente é presidente de honra.
“Não sou dono do bloco, sou filho dele. Por muitos anos, eu chegava da firma e ficava até 3h ou 4h da manhã pendurado numa escada colocando os enfeites na rua. Saía pela cidade pedindo dinheiro, patrocínio. O bloco foi crescendo ano a ano e passei a me preocupar em criar uma tradição para ele”, conta Tinin.
O “patriarca” afirma que, em 2023, pela primeira vez em muitos anos, não vai acompanhar o cortejo em cima do trio elétrico. A idade avançada impede que ele suba as escadas. Mas Tinin garante que, como em toda a sua vida desde os 11 anos de idade, não vai ficar de fora. “Vou acompanhar de baixo, com meu copo de vinho”.
Tradições e adaptações
Ao longo dos seus 76 anos de história, o Esfarrapado manteve algumas de suas principais marcas: as marchinhas de carnaval, a presença de crianças e idosos do bairro e, como o próprio nome sugere, a espontaneidade e simplicidade na maneira dos foliões se vestirem e saírem às ruas.
“O que marca o bloco Esfarrapado é a espontaneidade e a alegria de poder estar no bloco mais antigo de São Paulo”, afirma Maurizio Bianchi, de 60 anos, outro “velha guarda” do bloco.
Nascido e criado no Bixiga, Mauricinho foi presidente do Esfarrapado entre 2011 e 2022 e hoje é vice-presidente. Ele diz que outra caracterísita preservada é o prestígio das “estrelas” do próprio bairro, e não de grandes artistas, como é comum nos megablocos que carregam multidões no Carnaval de rua de São Paulo.

“A gente não pega uma estrela pela mão e traz para o bloco. Tem que vir por livre e espontânea vontade. Nossas estrelas são nosso estandarte, nossa rainha, nossa princesa, aquele folião que veio fantasiado, que traz alegria, que traz seus filhos, suas crianças, seus idosos”, diz.
Apesar disso, outras tradições foram sendo vencidas pelo tempo. A mais sentida por Tinin são os personagens que compunham o desfile.
Por muito tempo, moradores-símbolo do Bixiga se vestiam de figuras como os ex-presidentes Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, o ex-prefeito da capital Prestes Maia e o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. Tinin conta que, com a morte daqueles que se fantasiavam dessas figuras, elas foram desaparecendo do bloco.
“O bloco cresceu demais, mas foi difícil encontrar gente para assumir as personagens. Hoje em dia, não é todo mundo que vai fantasiado. Antigamente, eu saía de múmia. Sabe como? Enrolado em papel higiênico. Imagina quantos rolos eu gastava.”
Outra tradição foi deixada para trás, mas por motivo de polícia: os barris de cachaça que eram disponibilizados aos foliões ao longo do trajeto.
“Não podia, porque criança podia beber, não tinha controle. Teve um ano que tive que ir na 5ª delegacia, no meio do bloco. O delegado falou que eu teria que voltar lá com a polícia e suspender a pinga. Eu falei: ‘doutor, quando a gente chegar, o barril já vai estar seco, com todo mundo bêbado’. Depois desse ano, paramos de servir a pinga”, conta.
Dificuldades
Mesmo sendo o mais tradicional de São Paulo, o Esfarrapado vive dificuldades. Mauricinho relata que, para o Carnaval deste ano, a diretoria teve de tirar dinheiro do próprio bolso para colocar o bloco na rua.
“Estamos com pouco patrocínio. Os comerciantes que ajudavam antes reduziram a participação. Então, estamos tendo que tirar dinheiro do bolso para cumprir o mínino de estrutura que a prefeitura exige. Isso acabou onerando nossas vidas pessoais, mas a gente tem esse compromisso de manter o bloco em pé, sempre vivo”, afirma.

A “profissionalização” da folia em São Paulo, com o evento se tornando parte oficial do calendário do município, se transformou em um desafio para o Esfarrapado. “O que a antes a gente fazia em 10 pessoas, agora são 50. Tudo isso gera gasto, mesmo que 70% sejam voluntários”, diz o vice-presidente.
Mauricinho, no entanto, acredita que a dificuldade seja a mesma para outro blocos de pequeno e médio porte. “Nós temos a história, mas não somos muito diferente deles. Essa nossa identidade não é suficiente para nos sustentar”.
O Bloco Esfarrapado se concentra às 10h desta segunda-feira, na esquina da rua 13 de Maio com a Conselheiro Carrão. O desfile começa às 14h e dispersão está marcada para 18h.
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