O governo Lula entra em seu terceiro mês sem saber como aprovará seus planos no Congresso. A “frente ampla” arrecadada para a eleição e a atribuição de ministérios e cargos a políticos não se mostraram, até agora, suficientes para dar ao Executivo uma base que lhe dê um mínimo de conforto em sua relação com o Legislativo.
A franqueza do prefeito Arthur Lira (PP-AL), ao afirmar publicamente que o governo ainda não tem respaldo para aprovar textos que exigem maioria simples, espanta os articuladores políticos do Palazzo Planalto. As dificuldades são tão óbvias que ninguém se atreve a prever quando começará a votação de questões importantes.
A definição do comando das comissões permanentes da Câmara, após semanas de impasse, dá um pequeno alívio ao governo, que conseguiu colocar o deputado Rui Falcão (PT-SP) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), considerada o mais importante da casa. A eleição da deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF) para a presidência da Comissão de Fiscalização e Controle Financeiro, porém, é uma demonstração da força da oposição nessa disputa.
O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro também venceu o embate com a União Brasil e vai inserir o deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP) como relator do orçamento do ano que vem, o que pode ser mais uma pedra no sapato do governo Lula.
Arthur Lira acompanhado de outros políticos Igo Estrela/Metropoles

Presidente Lula janta com ministros do governo e Arthur LiraIgo Estrela/Metropoles

O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a Primeira Dama Janja com Resistência e Paris, para simbolizar o Dia Nacional dos AnimaisRicardo Stuckert/PR

Ministro da Fazenda Fernando HaddadFabio Vieira/Metropoles

Presidente Lula recebe Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, em sua residência oficialRafaela Feliciciano/Metropolis

Ministro da Fazenda Fernando HaddadHugo Barreto/Metrópolis

Bia Kicis contesta a presidência da comissão estratégica ao PTRafaela Feliciciano/Metropolis
0
segure a braçadeira
Apesar das óbvias dificuldades para obter maioria no Congresso, o governo federal ainda tem tempo para mudar o cenário adverso, uma vez que as principais medidas provisórias aprovadas pelo Executivo e os projetos prioritários do governo, que são o novo quadro fiscal, expiram apenas no final de abril e a reforma tributária, nem chegaram a tramitar no Legislativo.
Para abrir caminho, porém, a articulação de Lula terá que flexibilizar a forma de relacionamento com os parlamentares, avalia o o cientista político Leonardo Barretodiretor da empresa de consultoria Vector.
O especialista diz que o Congresso ampliou suas ambições nos últimos anos, principalmente no governo Bolsonaro, e quer participar da formulação de ideias, não apenas recebê-las prontas do Executivo.
“O governo Lula ainda tenta repropor a velha fórmula dos mandatos anteriores do PT, em que o Executivo formula tudo e o Congresso adere em troca de recursos e cargos, mas os líderes parlamentares que começaram a formular políticas públicas não não quero mais desistir”, diz, apontando Arthur Lira como o titular da pauta no momento e explica a situação com uma alegoria:
“Eleito presidente e com base em sua experiência anterior, Lula chega a um restaurante e quer sentar na melhor mesa. Mas essa mesa já está ocupada”, diz Barreto.
O governo Bolsonaro também sofreu
A gestão Bolsonaro também começou a se articular com o Congresso com dificuldade e viu o ex-presidente de perto, para falar com bancadas temáticas (como agro ou evangélicos) ao invés de negociar com os partidos, fundador.
Em 2019, com a Câmara presidida pelo ex-deputado Rodrigo Maia (então no DEM, agora no PSDB), o Congresso se acostumou a sentar à mesa e escolher quais pautas seriam prioritárias. Nela, a reforma da Previdência foi aceita pelo Parlamento e acabou aprovada, enquanto o chamado pacote anticrime, carro-chefe do então “superministro” Sergio Moro, foi deixado de lado.
“A agenda não é mais exclusiva do governo, embora sejamos oficialmente presidenciais. Agora, e desde a última legislatura, o tema precisa ser respeitado por diversas lideranças para avançar”, analisa o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP).
“E o exemplo disso no momento é a reforma tributária, que, apesar das resistências setoriais, conta com o apoio de comentaristas e a boa vontade dos parlamentares, inclusive da oposição. Ele tem, portanto, condições de seguir em frente. Quanto à chamada agenda aduaneira, por exemplo, não vejo como podem ganhar relevância no cenário atual”, acrescenta Tavares Maluf, falando ao metrópole.
Mas qual reforma?
O cientista político André Cesar, da Hold Assessoria Parlamentar, acredita que o Congresso aprovará uma reforma tributária que o governo Lula pode chamar de seu, mas diz que a aprovação do texto será turbulenta.
“Hoje todos reconhecem a necessidade dessa reforma. Nunca tivemos condições políticas tão favoráveis desde a redemocratização para que ela fosse adiante, mas na prática o debate encontrará muita resistência de setores que sentem que podem perder alguma coisa em arrecadação ou pagar mais impostos”, afirmou. diz ele, que vê o governo ainda longe de uma proposta que possa chegar perto de um consenso.
Incumbido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de tratar do assunto, o secretário especial de reforma tributária, Bernard Appy, prefere avançar algo na linha de duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) já tramitadas em algumas casas do Processo legislativo, PEC 45 e 110.
Para André César, porém, esses textos não são bem aceitos por muitos setores da sociedade e do Congresso, como ficou evidente no clima criado pela participação de Haddad em evento da Frente Nacional de Prefeitos na última segunda-feira (13/3). Os prefeitos acreditam que as ideias defendidas pelo governo federal tirarão seu controle sobre as receitas da cidade e potencialmente reduzirão os recursos que caem diretamente nos cofres da cidade.
“Ou o governo percebe que tem que negociar muito mais, se abrir ao diálogo, ou pode ver aprovado um empurrãozinho, não uma reforma de verdade”, diz o especialista, que também acredita que a votação do novo quadro fiscal, que o governo vai propor a substituição da regra do limite de gastos, deve acontecer primeiro e ser o primeiro grande teste da gestão Lula com a atual legislatura no Congresso. “Ao contrário da reforma tributária, que é uma Pec e exige dois terços dos votos, o quadro vira um DDL e exige maioria simples. É mais fácil”, conclui André César.
O presidente Lula disse que se reunirá nesta quinta-feira (16/3) com Haddad para definir o texto que será enviado ao Congresso que dispõe sobre o novo marco fiscal.