O novo regulamento geral da competição (RGC) da CBF, publicado na semana passada, começará a ser aplicado na prática a partir desta terça-feira, quando terá início a disputa da Copa do Brasil com o duelo entre Marcílio Dias e Chapecoense. A principal mudança é a previsão de penas severas para casos de racismo e outros atos de discriminação, como LGBTfobia e xenofobia. Entre as penalidades, o clube pode enfrentar multa de até R$ 500 mil e perder um ponto na classificação.
O RGC prevê quatro tipos de sanções para atos discriminatórios. São eles: advertência, multa, proibição de inscrição e transferência de atletas e/ou perda de pontos. Na semana passada, antes da publicação do documento, a CBF havia comunicado que o clube poderia perder a liderança em campo, mas essa medida não está descrita no regulamento.
A CBF vai formar uma comissão de até cinco pessoas para avaliar os casos e punir os clubes por atos administrativos. Em caso de pênalti no Brasileirão, por exemplo, a instituição pode decidir sumariamente a perda de um ponto na classificação. Mas há um problema: por lei, qualquer punição deve ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). É lá que os envolvidos poderão apresentar suas defesas e possivelmente se livrar dos pênaltis.
Isso não quer dizer que o RGC seja meramente decorativo. Por outro lado, o fato de seu texto prever penalidades para atos discriminatórios aumenta ainda mais a probabilidade de um clube ser punido. Isso porque, além do regulamento geral, o STJD também julgará casos à luz do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e do Código Disciplinar da FIFA.
PUNIÇÃO AOS CLUBES
A perda de pontos em caso de lesão era um desejo do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. No ano passado ele anunciou que este ano iria discutir o assunto nos conselhos técnicos das competições. Nos bastidores, no entanto, muitos clubes reservaram. A principal alegação era de que seria difícil fiscalizar e que poderia haver torcedores “infiltrados” para prejudicar os clubes.
Para não correr o risco de ver a mudança vetada, a CBF antecipou e determinou as penalidades para todas as competições sob seu guarda-chuva, que incluem as quatro séries do Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil, a Supercopa e até os amistosos .
Um dos artigos do RGC também esclarece que “os clubes, mandantes ou visitantes, são responsáveis por qualquer conduta imprópria de seu respectivo grupo de torcedores”, conforme já estabelecido pelo Código Disciplinar da FIFA e pela CBJD.
No caso das penalidades discriminatórias, o novo Regulamento Geral de Competições da CBF é bastante amplo em termos de abrangência. De acordo com o texto, “considera-se infração de caráter discriminatório praticada por dirigentes, representantes e profissionais dos Clubes, atletas, técnicos, integrantes da Comissão Técnica, torcedores e equipes de arbitragem em competições coordenadas pela CBF, em especial a infração a alguém ofender de forma extremamente grave a sua dignidade ou decoro, em razão de raça, cor, etnia, origem nacional ou social, sexo, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra forma de discriminação que sofra dignidade”.
A multa de R$ 500 mil é a maior da história do esporte brasileiro. Com uma adenda: de acordo com o RGC, em caso de reincidência, “a sanção administrativa máxima pode ser duplicada, a qual será integralmente relegada para um órgão representativo para a proteção de direitos”. Ou seja, o clube pode ser multado em até R$ 1 milhão se for condenado duas vezes pelo mesmo ato discriminatório.
CAIXA ARANHA
A Copa do Brasil tem em sua história um dos episódios mais emblemáticos em relação ao racismo no futebol. No dia 28 de fevereiro de 2014, Grêmio e Santos se enfrentaram pelas oitavas de final em Porto Alegre e o goleiro Aranha foi alvo de ofensas racistas. Um grupo que se posicionou atrás do gol usava termos como “macaco” e “preto fedorento”, além de fazer sons parecidos com os de macacos, segundo a reclamação do jogador na época.
O Grêmio, que havia perdido em casa por 2 a 0, foi excluído por unanimidade da Copa do Brasil pelo STJD. A decisão do tribunal foi inédita na época. Nunca um clube foi afastado de uma competição devido ao comportamento racista de seus torcedores.
Os gremistas identificados nunca foram julgados pelo crime de ofensa racial. A punição sugerida pelo Ministério Público e aceita pelo juiz Marco Aurélio Xavier era comparecer à delegacia 30 minutos antes de cada partida do Grêmio e deixar o local apenas 30 minutos após o término da partida. A sentença durou até agosto de 2015.