Desigualdade de gênero atinge a ciência no Brasil, revela pesquisa


Uma pesquisa do Grupo Multidisciplinar de Estudos de Ações Afirmativas (Gemaa), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mostra que há uma diminuição no número de mulheres em ascensão profissional. De acordo com o estudo, na maioria das áreas do conhecimento, é possível identificar o declínio da participação em grupos com o avanço dos estágios profissionais.

Apenas em 34% das áreas as mulheres alcançam a paridade ou são maioria entre os docentes da pós-graduação. Por outro lado, há um aumento geral, ainda que discreto, da participação de mulheres com mestrado (2%), doutorado (3%) e didática (5%) em diversas áreas do conhecimento no país, de 2004 a 2020.

Os resultados do inquérito foram recentemente disponibilizados na plataforma online criada pela Gemaa. O estudo foi baseado em dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com o apoio do Instituto Serrapilheira.

A pós-doutoranda do Iesp, Márcia Rangel Candido, explica que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres têm origens diversas.

Vemos inclusive discriminações que podem ser consideradas mais brandas, como o julgamento sobre as roupas que as mulheres usam em seus espaços profissionais, quando fazem pesquisas científicas, ou algo do tipo. E, por outro lado, existem formas mais pesadas de discriminação, como assédio sexual e moral

Marcia Rangel Candido, pesquisadora de pós-doutorado do Iesp

Segundo o coordenador do Gemaa, Luiz Augusto Campos, houve um avanço recente na expansão da pós-graduação no Brasil, acompanhado, ainda que de forma “bastante modesta”, de uma preocupação com a diversificação.

“Isso tem levado a um aumento, ainda que modesto, da participação de mulheres com doutorado em diferentes áreas do Brasil”, avalia Campos, em nota. “É preciso lembrar que o funil para entrar no ensino de pós-graduação é muito mais estreito e muito mais injusto para as mulheres do que, digamos, obter um doutorado.”

Desigualdade por área

Outro dado observado pela pesquisa refere-se à relação mestre-doutorado-didático segundo as áreas de conhecimento. Nesse caso, foi possível constatar que ainda existe uma forte desigualdade de gênero ao comparar o contingente de mulheres nas chamadas “ciências duras”, como física, matemática e engenharia, consideradas “masculinas”, e aquelas consideradas como “feminino”, como nutrição, enfermagem e serviço social.

Porém, como destaca a professora do Instituto de Ciências Sociais e coordenadora acadêmica do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades e Relações de Gênero (Nuderg) da Uerj Clara Araújo, também tem aumentado a presença de mulheres nessas carreiras.

“A matemática é uma área em que o ensino feminino tem crescido, mas, tanto no mestrado e doutorado quanto na docência, a diferença entre homens e mulheres ainda é muito grande. Até na medicina há uma diferença, mas já temos 45% de professoras, enquanto em 2004 eram 36%. Na engenharia, as mensalidades de pós-graduação eram baixas em 2004, 18%, e subiram para 23% em 2020. Na área de ciências da vida, temos quase 50% de mulheres”, disse ela, em comunicado.

“Por isso é preciso estimular desde cedo as meninas a se interessarem pelas chamadas ‘ciências duras’ e os meninos a seguirem carreiras consideradas femininas, porque isso terá impacto na socialização das próximas gerações”, acrescentou. o professor.

barreiras

Apesar dos avanços, a pesquisa do Gemaa mostrou que a redução das desigualdades de gênero na ciência está ocorrendo lentamente, indicando que ainda há barreiras a serem superadas pelas pesquisadoras. Um dos temas mais discutidos atualmente no meio acadêmico é o da maternidade, vista como um obstáculo ao ingresso ou permanência da mulher na pós-graduação.

Segundo Clara Araújo, muitas vezes o número de filhos diminui porque as mulheres não conseguem conciliar-se com a carreira académica, para além do facto de o número de horas com que os homens se dedicam às atividades domésticas ser muito reduzido face à carga residual das mulheres.

“A ideia de cuidado é algo ainda muito marcado pelo gênero. Há mulheres que não têm filhos mas, em geral, são elas as responsáveis ​​por cuidar dos doentes e dos idosos, o que também interfere na carreira acadêmica”, disse a professora.

Edição: Juliana Andrade