Tive um tio muito querido, funcionário exemplar do Banco do Brasil, sério no trabalho, folião de carnaval, que gostava de um cerveja Sábado e domingo. Seu nome era Fernando. Suas histórias são, no folclore familiar, histórias pitorescas.
Começo contando que num carnaval do Maranhão – que, diga-se de passagem, é muito animado – ele chegou na nossa casa e quis fazer a festa dele lá. Não encontrando acompanhante, pegou uma mesinha da sala, pôs na cabeceira e saiu, improvisando uma marcha: “Essa mesa não é minha, / essa mesa é do vizinho”. E lá se foram, para nunca mais voltar, a mesa e o folião.
O antigo carnaval maranhense da minha juventude tinha uma tradição muito forte de bailes de máscaras. Empresários famosos do Dia das Mães alugaram velhas casas vazias para bailes de formatura. As mulheres só podiam entrar nos dominós, um fato com capuz, máscara e uma camisa comprida de mangas largas. A origem francesa da palavra estaria nas roupas pretas e brancas dos dominicanos. Mas está incorporado à linguagem popular maranhense. As mulheres, tendo sua identidade oculta, permitiram certas liberdades que hoje são apenas normais.
Tio Ferdinando, num desses bailes, encontrou uma companheira muito alegre, que incorporou à sua mesa, com quem iniciou uma sessão de beijos. De repente ele descobriu que seu companheiro era um homem e começou a espancá-lo (ela), enojado com o que suas mãos haviam encontrado. Após o pequeno alvoroço, ele continuou sua alegria com muito cuidado.
As mansões de bola de dominó tinham nomes, competindo por clientela. A verificação de identidade não era permitida, exceto em uma denúncia de prostituição. Lembro que, na época da guerra do Canal de Suez, havia uma com a marca “CANAL DE SUEZ”: “Em Suez lutamos, aqui jogamos”.
Outra do tio Fernando que ficou famosa na família foi quando faleceu a irmã mais velha da minha avó, que morava em São Bento e já estava muito doente. Na sexta-feira, antes do Carnaval, às sete da noite, o carteiro bate à porta: “— Telegrama urgente para o Dr. Fernando”. Minha tia foi recebê-lo. Abriu-a e com voz chorosa anunciou: “— Tia Chica morreu” – comunicou meu avô. Tio Ferdinando estava pronto: «… Fique com esse telegrama. Só abrirá na quarta-feira de cinzas.” É que ele organizou um bloco com amigos e preparou tudo para que seu bloco fosse um sucesso, chamado: “Vaqueiros da Alegria”.
E então instou com mais veemência a todos da casa: “—Esse telegrama não existe.” E os preparativos para o Carnaval continuaram. No pátio, o laboratório de bateria e os ensaios dos cantores nunca foram interrompidos.
Na Quarta-Feira de Cinzas, o tio Ferdinando fechou a porta da frente, como era costume quando morria um familiar.
Postado o telegrama na cidade, começaram as visitas de condolências e a alegria se transformou em tristeza. Milagres do Carnaval.
José Sarney, ex-presidente