Uma carapaça articulada composta por placas que se sobrepunham, mas que deixavam espaço para movimentação. Com esta estrutura catafractária, como se sabe, semelhante à armadura usada pelos cavaleiros antigos e medievais, a Corumbella poderia ter-se protegido de predadores e alimentado-se de partículas em suspensão na água, algo ainda não documentado na época em que viveu.
O animal marinho remonta ao período Ediacarano (entre 635 milhões e 541 milhões de anos atrás) e viveu no oceano que existia onde hoje é Corumbá, no Mato Grosso do Sul, região onde foi encontrado o primeiro espécime, no anos 70.
Os detalhes da anatomia de Corumbella (Corumbella werneri), um dos animais fósseis mais antigos já estudados, foram relatados em um artigo publicado na revista iScience.
Conduzido por pesquisadores do Brasil, Escócia e Alemanha, o estudo traz uma nova compreensão da evolução animal. O trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
“As características da Corumbella a tornam um dos primeiros animais modernos, que provavelmente viveu na presença de predadores e cadeias alimentares semelhantes às que conhecemos hoje”, diz Gabriel Ladeira Osés, primeiro autor do artigo. Ele conduziu as análises durante seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Até recentemente, estudos mostravam que animais com essas características apareceram cerca de 30 milhões de anos depois, em um evento que veio a ser popularizado como a “explosão cambriana”. Apenas partes desarticuladas de animais catafractários foram encontradas no final do período Ediacarano.
O estudo agora publicado acrescenta outras evidências de que, também neste período, houve o aparecimento de predadores, de animais visíveis a olho nu que se moviam (possíveis predadores de Corumbella, por exemplo) e de esqueletos com componentes biomineralizados e resistentes.
“Usando microscopia eletrônica, espectroscopia e outras técnicas geoquímicas, conseguimos determinar que o esqueleto era feito de aragonita e veio do próprio animal, ou seja, não se precipitou posteriormente, no processo de fossilização. Além disso, demonstramos que houve uma orientação preferencial da formação do esqueleto, prova de que houve um controle biológico da mineralização”, explica Mírian Liza Alves Forancelli Pacheco, professora do Departamento de Biologia da UFSCar e coordenadora da pesquisa.
meio evolutivo
Mírian foi uma das primeiras cientistas a estudar Corumbella, ainda durante seu doutorado no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), numa época em que não se tinha nem certeza se o registro fóssil era mesmo de um animal.
Além de confirmar o que já foi publicado por estudiosos alemães e brasileiros, de que se tratava mesmo de um animal, o pesquisador demonstrou que Corumbella era dotada de um esqueleto resistente. Mas, na época, não havia técnicas que pudessem determinar com mais precisão se era de origem orgânica ou mineral. Isso acabou de ser respondido agora.
Os resultados também mostram que o animal não tinha um corpo totalmente tubular como imaginado, mas provavelmente tinha uma base neste formato e o restante com quatro lados cruzados por uma linha, como um poliedro.
Esta forma, associada a uma estrutura catafractária, poderá pôr em causa as afinidades biológicas deste animal com outros que hoje existem. Agora, existe a possibilidade de que este seja um dos primeiros animais bilaterais, aqueles que possuem dois lados simétricos e que são a maioria hoje, inclusive os humanos.
Os cnidários, grupo de medusas e medusas ao qual Corumbella era até então aparentado, fazem parte dos radiais, aqueles que crescem em torno de um ponto central. O estudo, portanto, poderia colocar o animal no centro da trajetória evolutiva entre bilateral e radial.
“Provavelmente vivia fixo no fundo do mar, com uma parte enterrada e a outra fora. A armadura articulada permitia que se defendesse de predadores, provavelmente animais de corpo mole, ao mesmo tempo em que se movia com as correntes marítimas. Talvez tenha filtrado partículas de comida da água. Novos estudos podem ajudar a desvendar o que resta do mistério desse animal”, diz Osés, que atualmente faz pós-doutorado no Instituto de Física da USP.
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